segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Arroio Corrente

O Arrôio Corrente
Rodrigo d´Eça Neves*
Como já descrevemos parcialmente, o riacho da praia de Jaguaruna tinha este nome e em razão dele, a praia na verdade tinha o nome de Praia do Arrôio Corrente.
Também já comentamos que ele fazia, em direção única, a ligação entre a Lagoa do Arrôio Corrente e o Oceano Atlântico onde se perdia silenciosamente.
Nascendo com cerca de três metros de largura por um de profundidade, ziguezagueava por entre enormes dunas de cores que variavam do bege ao branco com cerca de quinze metros de altura que terminavam abruptamente na sua margem sul e formavam a seqüencia delas que diminuía de tamanho e altura à medida que chegava junto à orla do mar.
Junto ao mar as dunas se apagavam e formavam uma larga faixa de areia consistente que permitia o trafego de carro, caminhão e por vezes pousava avião como o Teco Teco do Varela.
Correndo e corroendo a margem norte, produzia cortes também abruptos, mas, de menor altura pois a região era formada por morros de areia recobertos por vegetação que variava entre pequenos arbustos e árvores recobertas e entrelaçadas por cipós. Entre eles os de frutas como maracujá roxo ou flores como o São João enquanto a areia era úmida. Sem arvores, porem, rico em vassoura e butiazeiros nas partes mais secas formando o ambiente para codorna, perdiz e lebre que muito divertiam os caçadores.
Toda esta área sem água abrigava enorme quantidade de rosetas cujos frutos secos e globosos com espinhos radiados por nós eram comparados ao “Sputnik”, satélite russo, primeiro a chegar ao cosmo na órbita terrestre e assunto do momento.
Sinuosamente formava em suas curvas no lado onde tocava a correnteza um desgaste da borda e aumento da profundidade. Nesta porção cavada, sobravam na água as raízes das plantas da borda que serviam de abrigo para peixes e lagostas. Grande parte deste curso era recoberto por túnel de vegetação, às vezes tangenciando as águas onduladas que no obrigava a mergulhar. O primeiro ponto civilizado era onde estavam localizadas as casas do Camilo e do Bonifácio entre as vegetações, locadas junto à porteira que septava a estrada de acesso à praia, bem próximo à margem norte do riacho.
Pouco ou nada colhiam, nas mínimas áreas plantadas onde compartiam feijão, milho, melão e melancia, dividindo espaço com algumas poucas galinhas e cabra ou vaca que compunham o rebanho de animais.
Às suas margens eram mantidos os cochos para lavar roupa, covo e jequi para pescar.
Os covos eram cestos grandes em forma de coração com uma boca que permitia a entrada do peixe e não o deixava sair.
Na parte funda e de corrente mais volumosa, com a boca aberta para a nascente encontrávamos o jequi que consistia de um bambu-açu cortado em varetas até ao primeiro nó do último gomo. Aberto como um grande funil tinha suas paredes fechadas por um entrelaçado de bambú comum até a boca. Por ser poroso permitia a passagem dos líquidos e mantinha por pressão da força d´água os pescados no último segmento.
Seguindo seu curso logo depois passava sob a ponte da estrada geral, contornava com longa curva um pequeno morro e voltava a serpentear por entre pequenas dunas parcialmente cobertas por vegetação rasteira e juncos que se estendia até chegar a um grande bloco de tabatinga recoberto pela mesma vegetação dos espaços metidos entre as dunas.
Neste local o riacho sofria importante estreitamento com queda de cerca de 5 a 6 metros o que permitiu a instalação de uma roda d´água que movia um gerador que por sua vez fornecia eletricidade para toda a praia. Chamávamos a tabatinga de pedra sabão pela espuma e caldo esbranquiçado que produzia ao ser friccionado na pele. Como incorporava areia no seu interior hoje entendo a abrasão que fazia melhorando a qualidade da pele das mãos e do rosto, pois corresponde de maneira rústica ao “peeling” que hoje se faz em tratamento estético. Daí para diante se abria e largo corria até o mar. Com coca, cesta ou balaios, pescávamos acará (cará), badejo peixe de cor branca e boca grande, muçum preto de corpo muito liso com barbatana ventral longa e única, lagosta (pitu) ou lagostim de garras diferentes. Esta travessia com pescaria ocupava toda tarde.
Algumas pequenas lagoas se formavam junto ao riacho e nelas podíamos encontrar pequeninos peixes de corpo largo, achatado, prateado com barbatanas vermelhas e piavinhas com faixas pretas na sua lateral. Também era uma festa quando ocorria encontro com uma ou mais rãs que as preparávamos com molho de cebola e tomate. Todo tempo cruzávamos com pássaros de chão como saracura ou de arvore como o sabiá, tico tico e insetos estranhos com corpos de cores e formas raras alem de belas e agitadas borboletas. Encontrávamos pequenos lagartos de cor clara que eram confundidos com lagartixas ou o grande teiú fugindo rapidamente.
Era muito raro cruzar com alguma cobra.
Mesmo sem bebidas, à noite sentados no varandão de alguma casa, combinávamos a aventura do dia seguinte ou saímos para fazer serenata.

*Prof. Titular de Cirurgia Plástica da
Universidade Federal de Santa Catarina