domingo, 23 de janeiro de 2011

A cachoeira na Jaguaruna

A cachoeira na Jaguaruna
A "Cachoeira" na verdade era parte da condução e controle da água utilizada na usina de energia elétrica que lá existia. O Arroio Corrente que nascia na lagoa com o mesmo nome, corria entre as dunas e desembocava no mar. Com ele travava lutas quando o mar estava agitado nas ressacas. Sua foz tinha curso que variava com a mudança do fluxo de areia movida pelos fortes e constantes ventos que modificavam o final do riacho ao chegar no mar. Na altura onde foi instalada a usina havia uma corredeira por entre um material argiloso de cor branca parecido com a tabatinga. Ali se formavam pequenos nicho onde se escondiam pitus de tamanhos significativos e de delicado sabor. Nesta corredeira foi então construída com blocos de granito uma estrutura que verdadeiramente gerou a referida cachoeira,onde foi instalada uma roda d´água de madeira que movia o gerador de eletricidade. No sangradouro que desviava a água do "motor, foi construída uma plataforma em concreto e colocados canos calibrosos que formavam chuveiros muito fortes e hoje chamados de "Chuveirão". Para lá se dirigem todos os veranistas após o banho salgado para lavarem a areia residual e o sal do mar com água doce. Havia entre os moradores originários dali o Sr Jorge que havia há muito trabalhado como marceneiro. Foi treinado e passou a dispor de seu tempo na função de eletricista responsável por tudo desde a geração como a distribuição para a vila e guardião da usina. Sempre que uma falha acontecia, paravam as atividades noturnas de veraneio como canastra, vispora e outras e a população se dirigia para a cachoeira com a finalidade de se inteirar dos acontecidos. Sempre recebíamos uma explicação e voltávamos sabendo o tempo de escuridão. Assim numa determinada ocasião houve um forte barulho como um estrondo e a luz desapareceu. Corremos todos para a Cachoeira e lá estava o Sr Jorge num ponto mais alto, esperando que as pessoas estivessem reunidas quando então explicou:
- Oh gente foi feio! Deu um curto chicrite, encarnadou tudo e arrebentou as frase.
Todos retornamos sabedores que voltaríamos naquela noite para as antigas lamparinas e velas.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Arroio Corrente

O Arrôio Corrente
Rodrigo d´Eça Neves*
Como já descrevemos parcialmente, o riacho da praia de Jaguaruna tinha este nome e em razão dele, a praia na verdade tinha o nome de Praia do Arrôio Corrente.
Também já comentamos que ele fazia, em direção única, a ligação entre a Lagoa do Arrôio Corrente e o Oceano Atlântico onde se perdia silenciosamente.
Nascendo com cerca de três metros de largura por um de profundidade, ziguezagueava por entre enormes dunas de cores que variavam do bege ao branco com cerca de quinze metros de altura que terminavam abruptamente na sua margem sul e formavam a seqüencia delas que diminuía de tamanho e altura à medida que chegava junto à orla do mar.
Junto ao mar as dunas se apagavam e formavam uma larga faixa de areia consistente que permitia o trafego de carro, caminhão e por vezes pousava avião como o Teco Teco do Varela.
Correndo e corroendo a margem norte, produzia cortes também abruptos, mas, de menor altura pois a região era formada por morros de areia recobertos por vegetação que variava entre pequenos arbustos e árvores recobertas e entrelaçadas por cipós. Entre eles os de frutas como maracujá roxo ou flores como o São João enquanto a areia era úmida. Sem arvores, porem, rico em vassoura e butiazeiros nas partes mais secas formando o ambiente para codorna, perdiz e lebre que muito divertiam os caçadores.
Toda esta área sem água abrigava enorme quantidade de rosetas cujos frutos secos e globosos com espinhos radiados por nós eram comparados ao “Sputnik”, satélite russo, primeiro a chegar ao cosmo na órbita terrestre e assunto do momento.
Sinuosamente formava em suas curvas no lado onde tocava a correnteza um desgaste da borda e aumento da profundidade. Nesta porção cavada, sobravam na água as raízes das plantas da borda que serviam de abrigo para peixes e lagostas. Grande parte deste curso era recoberto por túnel de vegetação, às vezes tangenciando as águas onduladas que no obrigava a mergulhar. O primeiro ponto civilizado era onde estavam localizadas as casas do Camilo e do Bonifácio entre as vegetações, locadas junto à porteira que septava a estrada de acesso à praia, bem próximo à margem norte do riacho.
Pouco ou nada colhiam, nas mínimas áreas plantadas onde compartiam feijão, milho, melão e melancia, dividindo espaço com algumas poucas galinhas e cabra ou vaca que compunham o rebanho de animais.
Às suas margens eram mantidos os cochos para lavar roupa, covo e jequi para pescar.
Os covos eram cestos grandes em forma de coração com uma boca que permitia a entrada do peixe e não o deixava sair.
Na parte funda e de corrente mais volumosa, com a boca aberta para a nascente encontrávamos o jequi que consistia de um bambu-açu cortado em varetas até ao primeiro nó do último gomo. Aberto como um grande funil tinha suas paredes fechadas por um entrelaçado de bambú comum até a boca. Por ser poroso permitia a passagem dos líquidos e mantinha por pressão da força d´água os pescados no último segmento.
Seguindo seu curso logo depois passava sob a ponte da estrada geral, contornava com longa curva um pequeno morro e voltava a serpentear por entre pequenas dunas parcialmente cobertas por vegetação rasteira e juncos que se estendia até chegar a um grande bloco de tabatinga recoberto pela mesma vegetação dos espaços metidos entre as dunas.
Neste local o riacho sofria importante estreitamento com queda de cerca de 5 a 6 metros o que permitiu a instalação de uma roda d´água que movia um gerador que por sua vez fornecia eletricidade para toda a praia. Chamávamos a tabatinga de pedra sabão pela espuma e caldo esbranquiçado que produzia ao ser friccionado na pele. Como incorporava areia no seu interior hoje entendo a abrasão que fazia melhorando a qualidade da pele das mãos e do rosto, pois corresponde de maneira rústica ao “peeling” que hoje se faz em tratamento estético. Daí para diante se abria e largo corria até o mar. Com coca, cesta ou balaios, pescávamos acará (cará), badejo peixe de cor branca e boca grande, muçum preto de corpo muito liso com barbatana ventral longa e única, lagosta (pitu) ou lagostim de garras diferentes. Esta travessia com pescaria ocupava toda tarde.
Algumas pequenas lagoas se formavam junto ao riacho e nelas podíamos encontrar pequeninos peixes de corpo largo, achatado, prateado com barbatanas vermelhas e piavinhas com faixas pretas na sua lateral. Também era uma festa quando ocorria encontro com uma ou mais rãs que as preparávamos com molho de cebola e tomate. Todo tempo cruzávamos com pássaros de chão como saracura ou de arvore como o sabiá, tico tico e insetos estranhos com corpos de cores e formas raras alem de belas e agitadas borboletas. Encontrávamos pequenos lagartos de cor clara que eram confundidos com lagartixas ou o grande teiú fugindo rapidamente.
Era muito raro cruzar com alguma cobra.
Mesmo sem bebidas, à noite sentados no varandão de alguma casa, combinávamos a aventura do dia seguinte ou saímos para fazer serenata.

*Prof. Titular de Cirurgia Plástica da
Universidade Federal de Santa Catarina

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Retorno à Jaguaruna

Retorno à Jaguaruna*

Passaram as festas de final do ano.
Lembro que nesta época tínhamos de oito a dez anos de idade e participavamos da movimentação para passar o verão na Jaguaruna. Falo no plural, pois como as andorinhas, não há verão se estivermos sozinhos.
Os que haviam ido primeiro faziam muita festa àqueles que estavam chegando, depois em côro participavam da recepção dos que viriam.
Toda nossa atividade girava entre mar, dunas (onde hoje tem as casas) e riacho, límpido, claro, corrente, que hoje após o progresso e o desenvolvimento está canalizado.
Alias o nome é “Praia do Arrôio Corrente”, exatamente pela existência desta formação geográfica que tanto fez parte da vida daqueles que tiveram o privilégio de poder usufruí-lo. Ao correr sobre a branca areia produzia sons maviosos que como as sereias nos enfeitiçavam e a ele nos entregávamos de corpo e alma. Sem dúvida havia total interação onde o retorno oferecido por ele nos deixava escravizados roubando- nos a noção de tempo e espaço, inibindo nossas necessidades como fome, saciava a sede e aceitava nossos dejetos líquidos sem reclamar escondendo sutilmente em suas diluições a ponto de tornar tudo imperceptível.
A sua foz era ampla e volúvel (ainda que esta seja característica do homem), pois mudava de posição segundo o vento predominante, trocando e migrando ao norte no vento sul e ao sul no vento norte.
Ali misturavam suas águas o riacho e o mar.
Momentos era invadido pelo mar alterando a salinidade, permitindo tipos de peixinhos diferentes daqueles que eram encontrados mais próximo à nascente e momentos invadia o mar. É claro que em todo tempo o mar recebia e abrigava suas águas sem maiores ou nenhuma reação.
Alí encontrávamos um peixe de cerca de 6 a 8cm com cabeça e corpo semelhantes à tainhota de cor cinza bruno claro no dorso e prata no ventre. Quando as limpávamos para fritar tinham moela igual a das tainhas.
Pequenos peixes semelhantes à piava que não ultrapassavam a 5cm, com a carne transparente e faixa negra lateral ao longo do corpo com barriga grande por vezes repletas de olhudos filhotes. Estes sempre eram disputados com alguns adultos que os comiam fritos como aperitivo.
A gloria era surpreender algum acará de tamanho respeitável, pois era muito saboroso e quanto grande, maior seria o motivo de glória para o pescador.
Por outro lado seus filhotes eram troféus de aquário.
Metidos em setores com vegetação cheias de limo e água lenta encontrávamos pequenos pitús, camarões de garras espinhosas de tamanhos diferentes. Sua coloração era negra ou enegrecida com várias manchas, igualmente muito apreciados. De sabor delicado acabavam vermelhos depois de cozidos.
Na cachoeira da usina elétrica sob o piso do sangradouro que forma o chuveirão, eram encontrados vários pitús de grande porte corpo liso recoberta por grandes escamas de coloração bege com bordas e pernas azuladas e grandes tenazes avermelhadas.
Sabendo a lagosta eram apreciados com requinte na culinária dos veranistas.
Tínhamos respeito pelos mais velhos que dominavam esta pescaria e nos intimidavam descrevendo os horrores das mordidas destes camarões gigantes.
Ao longo da sua margem sul, ficavam colocados os lavadores, utensílios de madeira em plano inclinado para lavar roupa que eram ocos e abrigavam sob eles inúmeros destes seres descritos.
Na sua captura utilizávamos balaios de lâminas de bambú e cipó trançados ou redes montadas em aros de metal na região conhecidos como coca.
Nossa vontade era ter e criar em casa todos estes pequenos animais que morriam pela condição imprópria dos vidros ou latas onde os deixávamos.
Nesta fase, sabíamos da existência, mas, não conhecíamos a origem deste nosso idolatrado riacho.
Quando começamos a conquistá-lo fomos descobrindo maravilhas ao nosso redor e ao nosso alcance.
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*Jaguaruna- – Pantera –( jaguar, Onça ou cão; una- negro, preto,) Bueno,S.: Vocabulário Tupi, Guarani, Português, 2ª Ed,1983