segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Retorno à Jaguaruna

Retorno à Jaguaruna*

Passaram as festas de final do ano.
Lembro que nesta época tínhamos de oito a dez anos de idade e participavamos da movimentação para passar o verão na Jaguaruna. Falo no plural, pois como as andorinhas, não há verão se estivermos sozinhos.
Os que haviam ido primeiro faziam muita festa àqueles que estavam chegando, depois em côro participavam da recepção dos que viriam.
Toda nossa atividade girava entre mar, dunas (onde hoje tem as casas) e riacho, límpido, claro, corrente, que hoje após o progresso e o desenvolvimento está canalizado.
Alias o nome é “Praia do Arrôio Corrente”, exatamente pela existência desta formação geográfica que tanto fez parte da vida daqueles que tiveram o privilégio de poder usufruí-lo. Ao correr sobre a branca areia produzia sons maviosos que como as sereias nos enfeitiçavam e a ele nos entregávamos de corpo e alma. Sem dúvida havia total interação onde o retorno oferecido por ele nos deixava escravizados roubando- nos a noção de tempo e espaço, inibindo nossas necessidades como fome, saciava a sede e aceitava nossos dejetos líquidos sem reclamar escondendo sutilmente em suas diluições a ponto de tornar tudo imperceptível.
A sua foz era ampla e volúvel (ainda que esta seja característica do homem), pois mudava de posição segundo o vento predominante, trocando e migrando ao norte no vento sul e ao sul no vento norte.
Ali misturavam suas águas o riacho e o mar.
Momentos era invadido pelo mar alterando a salinidade, permitindo tipos de peixinhos diferentes daqueles que eram encontrados mais próximo à nascente e momentos invadia o mar. É claro que em todo tempo o mar recebia e abrigava suas águas sem maiores ou nenhuma reação.
Alí encontrávamos um peixe de cerca de 6 a 8cm com cabeça e corpo semelhantes à tainhota de cor cinza bruno claro no dorso e prata no ventre. Quando as limpávamos para fritar tinham moela igual a das tainhas.
Pequenos peixes semelhantes à piava que não ultrapassavam a 5cm, com a carne transparente e faixa negra lateral ao longo do corpo com barriga grande por vezes repletas de olhudos filhotes. Estes sempre eram disputados com alguns adultos que os comiam fritos como aperitivo.
A gloria era surpreender algum acará de tamanho respeitável, pois era muito saboroso e quanto grande, maior seria o motivo de glória para o pescador.
Por outro lado seus filhotes eram troféus de aquário.
Metidos em setores com vegetação cheias de limo e água lenta encontrávamos pequenos pitús, camarões de garras espinhosas de tamanhos diferentes. Sua coloração era negra ou enegrecida com várias manchas, igualmente muito apreciados. De sabor delicado acabavam vermelhos depois de cozidos.
Na cachoeira da usina elétrica sob o piso do sangradouro que forma o chuveirão, eram encontrados vários pitús de grande porte corpo liso recoberta por grandes escamas de coloração bege com bordas e pernas azuladas e grandes tenazes avermelhadas.
Sabendo a lagosta eram apreciados com requinte na culinária dos veranistas.
Tínhamos respeito pelos mais velhos que dominavam esta pescaria e nos intimidavam descrevendo os horrores das mordidas destes camarões gigantes.
Ao longo da sua margem sul, ficavam colocados os lavadores, utensílios de madeira em plano inclinado para lavar roupa que eram ocos e abrigavam sob eles inúmeros destes seres descritos.
Na sua captura utilizávamos balaios de lâminas de bambú e cipó trançados ou redes montadas em aros de metal na região conhecidos como coca.
Nossa vontade era ter e criar em casa todos estes pequenos animais que morriam pela condição imprópria dos vidros ou latas onde os deixávamos.
Nesta fase, sabíamos da existência, mas, não conhecíamos a origem deste nosso idolatrado riacho.
Quando começamos a conquistá-lo fomos descobrindo maravilhas ao nosso redor e ao nosso alcance.
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*Jaguaruna- – Pantera –( jaguar, Onça ou cão; una- negro, preto,) Bueno,S.: Vocabulário Tupi, Guarani, Português, 2ª Ed,1983