sexta-feira, 11 de março de 2011

O Trem.

O trem

Saudando o Dr José Warmuth pela iniciativa do museu da estrada de ferro, associo-me lembrando momentos de nossa convivência com o trem e sua estrada.
A fumaça cinzenta, espessa com muito material em suspensão e cheiro de gazes intestinais, graças ao enxofre que fazia parte do carvão, cobria a tudo e a todos.
A hulha originária do sul do estado que pela contaminação com o enxofre era desqualificada para a indústria do aço, restando apenas a capacidade de produzir calor e de espalhar cristais dourados de perita que pensávamos se tratar de ouro.
Esta energia, inicialmente utilizada para mover as locomotivas, ingressou na produção de eletricidade e depois ácido sulfúrico também.
Beneficiada em Capivari de Baixo, embarca em Imbituba, navega até o porto de Tubarão em Vitória no Espírito Santo e por fim como coque é usado em fornos das indústrias de beneficiamento do minério de ferro.
Com estas vantagens a cidade de Tubarão se desenvolveu em torno e ao longo da ferrovia e sediou a Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina, cabendo-lhe organizar as oficinas que faziam a manutenção de tudo que a ela se referisse.
Estudou na sua escola uma grande quantidade de competentes técnicos capazes de produzir tudo desde as locomotivas, modificações em carro, como o Chevrolet 39 transformando em litorina, até o mais delicado parafuso de precisão.
Em todas as empresas da cidade existia algum artista torneiro que reproduzia as peças necessárias para reparar os carros, tratores e outras máquinas à época importados.
Tal era a importância deste plantel de operários que com a enchente, Joinville os importou a todos em tamanho numero que lá gerou bairro e rua com o nome de Tubarão.
A cidade cresceu e recebeu muitos migrantes incluindo eu que em 1943 cheguei vindo de Florianópolis pouco tempo após o nascimento.
Cresci ouvindo as propagandas feitas pelo Fuzaca com seu megafone de lata e conversando com o Chico da Patança e sua capa preta próximo à padaria do seu Juca ao lado dos trilhos, morava agora na esquina da rua Ferreira Lima com a rua Coronel Cabral onde ficara a primeira casa.
Vivendo num misto de respeito sem medo, muito abusamos dos recursos deste monumento.
Com meu irmão Fernão andávamos sobre a estrada unindo os braços e conduzindo as bicicletas lado a lado, cada qual sobre um trilho. Noutras oportunidades, aproximando bem agachados, amassávamos a ponta de longos pregos sob as rodas como se fosse uma bigorna para fazer faquinha ou ponta de flecha.
Lindo era apreciar quando os ferroviários trabalhavam trocando trilhos que os obrigava pregar grandes cravos nos dormentes de madeira, batendo os martelos em oposição com movimentos intercalados, repetidos e bem ritmados saindo depois em seus troles movidos com bambus como se fosse remos de canoa. Estas peças de fixação quando abandonadas, recolhíamos para usar como punção e esculpir carrinhos em tijolos, desta forma acabamos em casa com um milheiro deles na busca de uma perfeição que não podíamos encontrar.
Odiava ir corrigir algum problema de fusível elétrico, em baixo do assoalho ou sobre o teto, pois neles havia uma camada fina de fuligem depositada pela fumaça que desprendia na passagem das barulhentas locomotivas, pois nos deixava imundos e totalmente pretos.
A estação principal da cidade, sempre com movimento de idos e vindos, suas malas e pacotes, acompanhados de recepções e despedidas, pois comboios mistos ou específicos por ali passavam unindo todo sul do estado ao transportar carvão e passageiros, sempre mantendo correto o horário.
As pessoas de Florianópolis ou outra origem chegavam à Laguna de navio e se dirigiam para o sul do estado romanticamente de trem, eram viagens de longa preparação e ninguém as fazia por menos de quinze dias e é lógico que movimentavam seus baús e grandes malas.
Ao longo do tempo os trilhos foram retirados do centro da cidade resultando num incalculável benefício, pois reduziram os acidentes e desapareceu a fumaça responsável por tantos males de saúde dela dependentes, sem contar a limpeza das folhas das árvores da praça e telhados das casas.
Tudo era enegrecido, pois além da fumaça tinha a poeira das estradas que eram cobertas com as cinzas do carvão e os pequenos rios tinham as águas transparentes com cor castanha e sem peixes.
Agora com as máquinas movidas a diesel e o asfalto cobrindo os caminhos a limpeza se instalou e o prejuízo é menor.
Apesar do saudosismo a cidade e a região ganharam muito basta olhar os verdes arrozais que a contornam.

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